terça-feira, 8 de abril de 2014

Carta de Tramandaí II Encontro Gaúcho de Pós-Graduandos – II EGPG




Carta de Tramandaí
II Encontro Gaúcho de Pós-Graduandos – II EGPG

PrezadXs Pós-GraduandXs, Comunidade Acadêmica e Científica e a todo povo brasileiro, nós, estudantes de pós-graduação, presentes no II Encontro Gaúcho de Pós‑Graduandos, nos dias 28, 29 e 30 de Março, em Tramandaí, debatemos quatro eixos que consideramos fundamentais para a produção de conhecimento no Brasil. São eles:
          Discussão do projeto de pesquisa científica no país a partir das necessidades do povo brasileiro;
          Construção de eixos para um projeto de lei dxs pós‑graduandxs que consolide nossos direitos;
          Construção de um plano nacional de assistência estudantil para os pós‑graduandos;
          Organização do movimento de pós-graduandos no Rio Grande do Sul.

Ao analisar nossas condições de vida, consideramos intrigante a ideia de que uma bolsa possa suprir todas as necessidades dos estudantes de pós-graduação, uma vez que nem mesmo o salário o faz. Destacamos que desempenhamos nossas atividades com a ausência de direitos básicos, tais como adicionais por periculosidade e/ou insalubridade, licença‑maternidade de seis meses (de acordo com orientação da Organização Mundial de Saúde e regulamentação da mesma para o funcionalismo público), licença‑paternidade, décimo terceiro pagamento anual, contribuição previdenciária, entre outros.
            Para além das pautas relacionadas a direitos ‘trabalhistas’, levantamos necessidades do âmbito da assistência estudantil. A falta de um plano nacional de assistência estudantil que contemple a pós‑graduação é flagrante. O ingresso em um programa de pós‑graduação, mesmo com a concessão de bolsas, não elimina de modo automático as necessidades de assistência. Direitos sociais como moradia, alimentação e transporte não são contemplados. Inexistem políticas específicas para estudantes que são mães e pais, tais como creche, e a universidade não reconhece a possibilidade de uso de seus serviços e espaços pelos dependentes desses estudantes. Essas dificuldades constituem barreiras para a universalização da formação, principalmente da pós‑graduanda, culminando na manutenção do seu caráter elitista. Assim, consideramos nosso dever lutar para que a universidade e o Estado reconheçam a urgência de um plano efetivo de assistência estudantil aos pós‑graduandos.
            Defendemos que as bolsas devem ser entendidas como direito e não benefício e, portanto, estendidas a TODOS os pós‑graduandos. Entretanto, ainda que haja meios para tanto, a realidade dos programas demonstra que falta vontade política do Estado brasileiro para resolver o problema da falta de bolsas. Enquanto lutamos para que essa situação se reverta, seguimos reivindicando uma distribuição mais igualitária das bolsas entre os diferentes cursos. Também exigimos que sejam adotados critérios socioeconômicos e não mais meritocráticos para a seleção de bolsistas.
Compreendemos que, ao seguir a lógica mesquinha da meritocracia, a universidade se mantém como um mecanismo de reprodução da danosa desigualdade que vitima nossa sociedade. Faz-se necessária uma reestruturação da distribuição de bolsas entre os cursos de pós‑graduação que vá além do ranqueamento hoje posto pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e que leve em conta prioritariamente questões socioeconômicas. Em um frutífero debate realizado com a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS), percebemos o estreitamento de posições quanto à necessidade de ampliar e fortalecer programas de concessão de bolsas de pós‑graduação a pessoas com vínculo empregatício em instituições públicas de ensino, uma vez que os trabalhos de docência e pesquisa prestados ao Estado são diferentes, porém complementares.
            Questionamos as concepções vigentes acerca da concepção de Universidade e dos tipos de ciência e tecnologia que são produzidos. A sobrevalorização de pesquisas que têm por foco a inovação tecnológica e o consequente sucateamento do conhecimento que foge a essa lógica não corresponde à função social da universidade. Um resultado concreto dessa lógica é o aumento das parcerias entre a Universidade e empresas privadas, com a construção de parques tecnológicos que fazem uso da força de trabalho de pesquisadores públicos. Com isso, produz-se conhecimento patenteado por empresas que se reverte em lucros privados e não em melhores condições de vida para população do nosso país.
Ao mesmo tempo, vivenciamos no cotidiano da pós‑graduação uma lógica produtivista e de exportação do conhecimento aqui produzido. Defendemos a valorização de trabalhos qualitativos e o respeito ao tempo de maturação de cada pesquisa ao invés de se estimular o fatiamento das pesquisas existentes para ampla publicação e a mera concatenação das mesmas. Ressaltamos que, ao sobrevalorizar a publicação em periódicos internacionais, deixamos de lado pesquisas que enfoquem a realidade brasileira e muitas vezes dificultamos e desconsideramos o acesso da comunidade ao conhecimento aqui produzido e sua circulação em nosso país. Outro ponto de estrangulamento da produção e difusão do conhecimento no país é a não valoração da extensão. Por ser um dos três pilares fundantes da universidade, defendemos que a mesma seja levada em conta para a pontuação e progressão acadêmica.
A fim de que estas pautas sejam difundidas e atendidas, constatamos a necessidade de fortalecer as Associações de Pós‑graduação (APGs) nas universidades gaúchas, em especial nas instituições privadas, que em sua maioria não contam com essa organização. Além disso, é necessária uma articulação regional do movimento tanto para participar das instâncias da FAPERGS, quanto para apoiar as iniciativas de comissões para a instalação de APGs. Assim sendo, fazemos um chamado às associações já existentes no estado, bem como às pessoas que ainda não se encontram organizadas, para que possamos unificar nossas lutas e avançar na construção e fortalecimento de nossas conquistas.
Por fim, questões específicas do nosso cotidiano, tais como a retenção de notas por parte dos docentes, o clientelismo nas relações acadêmicas, a ausência de representação discente ou cabrestamento delas nas comissões de bolsas e nas comissões de pós‑graduação, situações de constrangimento e/ou assédio moral, conduzem-nos a defender as seguintes bandeiras:
       Reconhecer a bolsa como direito e não como benefício;
       Utilizar critérios socioeconômicos para a concessão de bolsas;
       Estabelecer transparência na seleção de pós‑graduandos e nos critérios de concessão de bolsa;
       Combater o assédio moral a pós-graduandos por parte de orientadores e de coordenações;
       Criar um ambiente saudável para a convivência e a troca de conhecimento entre os estudantes da pós-graduação, inclusive de diferentes áreas do conhecimento;
       Promover disciplinas de estágio docente que contemplem a formação didática e pedagógica dos pós-graduandos;
       Questionar do ranqueamento de cursos pela Capes como critério para distribuição de recursos;
       Implantar transparência na gestão de recursos (origem/distribuição);
       Debater o financiamento da universidade e consequentemente das pesquisas ali produzidas;
       Valorizar os periódicos nacionais e multidisciplinares e preservar o tempo de maturação de cada pesquisa;
       Valorar a extensão como item de progressão na carreira docente;
       Incluir a participação dos pós‑graduandos na avaliação dos cursos de pós‑graduação;
       Fortalecer a articulação regional de pós-graduandos como preparação para a disputa de um Conselho Nacional de Associações de Pós-Graduandos (CONAP) mais crítico e propositivo;
       Obter um plano nacional de assistência estudantil para a pós-graduação;
       Retomar de discussão e conquistar a aprovação do projeto de lei do pós‑graduando;
       Instaurar uma política de valorização constante dxs pós‑graduandxs.

Tramandaí, 30 de março de 2014.


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