Carta
de Tramandaí
II
Encontro Gaúcho de Pós-Graduandos – II EGPG
PrezadXs Pós-GraduandXs, Comunidade Acadêmica e
Científica e a todo povo brasileiro, nós,
estudantes de pós-graduação, presentes no II Encontro Gaúcho de Pós‑Graduandos,
nos dias 28, 29 e 30 de Março, em Tramandaí, debatemos quatro eixos que
consideramos fundamentais para a produção de conhecimento no Brasil. São eles:
•
Discussão
do projeto de pesquisa científica no país a partir das necessidades do povo
brasileiro;
•
Construção
de eixos para um projeto de lei dxs pós‑graduandxs que consolide nossos
direitos;
•
Construção
de um plano nacional de assistência estudantil para os pós‑graduandos;
•
Organização
do movimento de pós-graduandos no Rio Grande do Sul.
Ao
analisar nossas condições de vida, consideramos intrigante a ideia de que uma
bolsa possa suprir todas as necessidades dos estudantes de pós-graduação, uma
vez que nem mesmo o salário o faz. Destacamos que desempenhamos nossas
atividades com a ausência de direitos básicos, tais como adicionais por
periculosidade e/ou insalubridade, licença‑maternidade de seis meses (de acordo
com orientação da Organização Mundial de Saúde e regulamentação da mesma para o
funcionalismo público), licença‑paternidade, décimo terceiro pagamento anual,
contribuição previdenciária, entre outros.
Para além das pautas relacionadas a
direitos ‘trabalhistas’, levantamos necessidades do âmbito da assistência estudantil.
A falta de um plano nacional de assistência estudantil que contemple a pós‑graduação
é flagrante. O ingresso em um programa de pós‑graduação, mesmo com a concessão
de bolsas, não elimina de modo automático as necessidades de assistência. Direitos
sociais como moradia, alimentação e transporte não são contemplados. Inexistem
políticas específicas para estudantes que são mães e pais, tais como creche, e
a universidade não reconhece a possibilidade de uso de seus serviços e espaços
pelos dependentes desses estudantes. Essas dificuldades constituem barreiras
para a universalização da formação, principalmente da pós‑graduanda, culminando
na manutenção do seu caráter elitista. Assim, consideramos nosso dever lutar
para que a universidade e o Estado reconheçam a urgência de um plano efetivo de
assistência estudantil aos pós‑graduandos.
Defendemos que as bolsas devem ser
entendidas como direito e não benefício e, portanto, estendidas a TODOS os pós‑graduandos.
Entretanto, ainda que haja meios para tanto, a realidade dos programas
demonstra que falta vontade política do Estado brasileiro para resolver o
problema da falta de bolsas. Enquanto lutamos para que essa situação se reverta,
seguimos reivindicando uma distribuição mais igualitária das bolsas entre os
diferentes cursos. Também exigimos que sejam adotados critérios socioeconômicos
e não mais meritocráticos para a seleção de bolsistas.
Compreendemos
que, ao seguir a lógica mesquinha da meritocracia, a universidade se mantém
como um mecanismo de reprodução da danosa desigualdade que vitima nossa
sociedade. Faz-se necessária uma reestruturação da distribuição de bolsas entre
os cursos de pós‑graduação que vá além do ranqueamento hoje posto pela Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e que leve em conta
prioritariamente questões socioeconômicas. Em um frutífero debate realizado com
a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS),
percebemos o estreitamento de posições quanto à necessidade de ampliar e
fortalecer programas de concessão de bolsas de pós‑graduação a pessoas com
vínculo empregatício em instituições públicas de ensino, uma vez que os
trabalhos de docência e pesquisa prestados ao Estado são diferentes, porém
complementares.
Questionamos as concepções vigentes
acerca da concepção de Universidade e dos tipos de ciência e tecnologia que são
produzidos. A sobrevalorização de pesquisas que têm por foco a inovação
tecnológica e o consequente sucateamento do conhecimento que foge a essa lógica
não corresponde à função social da universidade. Um resultado concreto dessa
lógica é o aumento das parcerias entre a Universidade e empresas privadas, com
a construção de parques tecnológicos que fazem uso da força de trabalho de
pesquisadores públicos. Com isso, produz-se conhecimento patenteado por
empresas que se reverte em lucros privados e não em melhores condições de vida
para população do nosso país.
Ao
mesmo tempo, vivenciamos no cotidiano da pós‑graduação uma lógica produtivista
e de exportação do conhecimento aqui produzido. Defendemos a valorização de
trabalhos qualitativos e o respeito ao tempo de maturação de cada pesquisa ao
invés de se estimular o fatiamento das pesquisas existentes para ampla
publicação e a mera concatenação das mesmas. Ressaltamos que, ao sobrevalorizar
a publicação em periódicos internacionais, deixamos de lado pesquisas que enfoquem
a realidade brasileira e muitas vezes dificultamos e desconsideramos o acesso
da comunidade ao conhecimento aqui produzido e sua circulação em nosso país.
Outro ponto de estrangulamento da produção e difusão do conhecimento no país é
a não valoração da extensão. Por ser um dos três pilares fundantes da universidade,
defendemos que a mesma seja levada em conta para a pontuação e progressão acadêmica.
A
fim de que estas pautas sejam difundidas e atendidas, constatamos a necessidade
de fortalecer as Associações de Pós‑graduação (APGs) nas universidades gaúchas,
em especial nas instituições privadas, que em sua maioria não contam com essa
organização. Além disso, é necessária uma articulação regional do movimento
tanto para participar das instâncias da FAPERGS, quanto para apoiar as
iniciativas de comissões para a instalação de APGs. Assim sendo, fazemos um
chamado às associações já existentes no estado, bem como às pessoas que ainda
não se encontram organizadas, para que possamos unificar nossas lutas e avançar
na construção e fortalecimento de nossas conquistas.
Por
fim, questões específicas do nosso cotidiano, tais como a retenção de notas por
parte dos docentes, o clientelismo nas relações acadêmicas, a ausência de
representação discente ou cabrestamento delas nas comissões de bolsas e nas
comissões de pós‑graduação, situações de constrangimento e/ou assédio moral,
conduzem-nos a defender as seguintes bandeiras:
•
Reconhecer
a bolsa como direito e não como benefício;
•
Utilizar
critérios socioeconômicos para a concessão de bolsas;
•
Estabelecer
transparência na seleção de pós‑graduandos e nos critérios de concessão de
bolsa;
•
Combater
o assédio moral a pós-graduandos por parte de orientadores e de coordenações;
•
Criar
um ambiente saudável para a convivência e a troca de conhecimento entre os
estudantes da pós-graduação, inclusive de diferentes áreas do conhecimento;
•
Promover
disciplinas de estágio docente que contemplem a formação didática e pedagógica
dos pós-graduandos;
•
Questionar
do ranqueamento de cursos pela Capes como critério para distribuição de
recursos;
•
Implantar
transparência na gestão de recursos (origem/distribuição);
•
Debater
o financiamento da universidade e consequentemente das pesquisas ali
produzidas;
•
Valorizar
os periódicos nacionais e multidisciplinares e preservar o tempo de maturação
de cada pesquisa;
•
Valorar
a extensão como item de progressão na carreira docente;
•
Incluir
a participação dos pós‑graduandos na avaliação dos cursos de pós‑graduação;
•
Fortalecer
a articulação regional de pós-graduandos como preparação para a disputa de um
Conselho Nacional de Associações de Pós-Graduandos (CONAP) mais crítico e
propositivo;
•
Obter
um plano nacional de assistência estudantil para a pós-graduação;
•
Retomar
de discussão e conquistar a aprovação do projeto de lei do pós‑graduando;
•
Instaurar
uma política de valorização constante dxs pós‑graduandxs.
Tramandaí,
30 de março de 2014.
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