quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

CARTA PÚBLICA EM DEFESA DA ORGANIZAÇÃO DES ESTUDANTES DE PÓS-GRADUAÇÃO SOBRE SEUS INTERESSES PRÓPRIOS


Porto Alegre, 15 de fevereiro de 2023


Desde o golpe de 2016, as incursões da direita, associada aos monopólios privados da educação, para desmontar a Universidade pública jamais cessaram; mas tampouco cessou a resistência do movimento estudantil. Até a mais recente tentativa de golpe militar fascista em janeiro de 2023, eles fracassaram porque os movimentos sociais estavam suficientemente mobilizados para denunciar os objetivos dos fascistas. Nessas mobilizações, os estudantes sempre se destacaram, fosse fazendo as manifestações de rua, ou conduzindo as pesquisas nas universidades, reunindo e divulgando as informações que combatem a máquina de mentiras da direita.

Os estudantes do Brasil festejaram na esplanada dos ministérios com a posse do presidente Lula, que representou uma vitória dessa ampla mobilização popular contra os abusos extraordinários da máquina pública. Agora, precisamos levar essa festa popular para cada curso de cada universidade, para fazer dela um verdadeiro movimento, capaz de reivindicar através do combate uma educação verdadeiramente pública.

A conjuntura que encontramos agora, com o novo governo, é de grande indeterminação, de disputas abertas pelo futuro do país, em que tanto podem surgir retrocessos dos movimentos sociais quanto oportunidades de avanços inesperados. Tudo dependerá da nossa disposição, da nossa convicção, e da nossa compreensão sobre o imenso potencial produtivo do povo brasileiro e, também, das forças imperialistas responsáveis pela sua supressão.

Os grandes especuladores que lucraram com o governo Bolsonaro já estão pressionando o novo Governo desde que este foi empossado, manifestando “preocupação” e “pessimismo” em relação às falas de Lula – pelo simples fato de pautar as necessidades básicas do povo brasileiro. Diante disso, o ministro da fazenda, Haddad, anunciou que pretende enviar ainda no primeiro semestre ao Congresso Nacional a proposta de uma nova “âncora fiscal” para tranquilizar os investidores – isto é, uma nova política orçamentária que substituirá o detestado “teto de gastos”.

Haddad tem como um dos principais objetivos no curto prazo reduzir a projeção de déficit nas contas públicas previsto para este ano. Para isso, anunciou que o Governo deve implementar um corte de gastos de R$ 50 bilhões, mas ainda não especificou como isso será efetivado. “O que existe para garantir um Estado fortalecido é a previsibilidade econômica, confiança dos investidores e transparência com as contas públicas” – afirmou o ministro.

Haddad afirmou também que é preciso sair de um pensamento “binário” entre estatal e privado e que tem muita coisa que pode ser feita com a junção de ambos, referindo-se ao modelo de parcerias público privadas (PPPs).

Porém, o “déficit” nominal das contas do Governo é causado por mecanismos de produção de dívida pública sem contrapartida, que consomem 50% do orçamento com juros e amortizações, além dos gastos tributários sem justificativas. Enquanto essa farra dos bancos continua sendo assumida como se fosse uma realidade inevitável, não haverá solução definitiva para o dilema orçamentário, e os investimentos públicos em saúde e educação para a maioria da população continuarão sendo espremidos. Por isso, entendemos que é urgente a mobilização dos estudantes-pesquisadores em torno das pautas que dizem respeito ao orçamento do Governo Federal.

Precisamos continuar construindo um movimento estudantil independente, capaz de vocalizar as nossas próprias pautas e demonstrar que existe um outro lado dessa história – o lado dos estudantes de pós-graduação que trabalham para receber uma bolsa que não serve para sustentar suas necessidades básicas, que não têm quaisquer direitos próprios ou regulamentações e ficam muitas vezes à mercê de hierarquias decrépitas.

Nesse sentido, a APG UFRGS promoveu, ao longo das primeiras duas semanas de aula, passagens em sala de aula, panfletagens, rodas de conversa como parte da campanha por reajuste das bolsas de pós-graduação, associando-a com a necessidade de uma luta constante por mais investimentos na educação pública. Também assinamos a carta da ANPG que afirmava a imperatividade do reajuste das bolsas e convocava uma “blitz” nos gabinetes dos parlamentares em Brasília.

No entanto, acreditamos que a petição às autoridades deve processar-se como resultado da capacidade de mobilização e de convencimento do próprio movimento estudantil, e que, em última instância, ela só pode ser validada pela sua força própria. A demanda às autoridades não pode ser encarada como substitutiva em relação à construção da força do movimento estudantil; pelo contrário, acreditamos que uma entidade deve conquistar o seu respeito em relação às autoridades através da força dos estudantes. Mais especificamente, sentimos falta de convocação, por parte da ANPG, de datas para atos nacionais dos estudantes de pós-graduação.

Entendemos que a ANPG resolveu escrever a carta convocando uma “blitz” em Brasília no início de fevereiro a fim de responder às ondas de estudantes de pós-graduação do Brasil inteiro que se perguntavam naquele momento onde estava o reajuste, que já fora prometido para o mês de janeiro. Isso significa que a ANPG não têm assumido para si o papel de colocar-se à vanguarda dos estudantes, conscientizando-os e convocando-os para o combate; pelo contrário, tem assumido um papel reativo, no sentido de apaziguar os anseios dos estudantes, afirmando sucessivamente que o reajuste foi prometido por esta ou aquela autoridade e com certeza será divulgado em breve.

Não duvidamos dos últimos anúncios da parte da CAPES referente ao reajuste das bolsas; apenas acreditamos que essa função de “relações públicas” do Governo, de comunicar demandas e devolver promessas, deveria ser apenas uma pequena parte do funcionamento de uma entidade estudantil dessa importância.

Além disso, vale mencionar que ainda estamos muito longe de resolver os problemas materiais imediatos dos pós-graduandos:

  • Segundo a CAPES, “a porcentagem de aumento dos benefícios vai ser diferente em cada modalidade de bolsa” (mestrado, doutorado e pós-doutorado) e ainda não temos informação sobre o que isso deverá significar;

  • O valor do reajuste deveria ser de pelo menos 76%, para compensar a inflação acumulada pelo IPCA somente desde o último reajuste, em maio de 2013. Segundo Vinícius Soares, presidente da ANPG, esse aumento seria “impossível”, e por isso apresentou-se a demanda pelo reajuste de 40% como um “plano de curto prazo”. Porém, assumir desde o primeiro momento que o reajuste justo é “impossível” e propor espontaneamente um enfraquecimento da reivindicação é aceitar como fato consumado a política orçamentária desastrosa herdada dos governos anteriores;

  • Além de ainda não conseguirmos compensar minimamente a desvalorização que já acumulamos nos últimos 10 anos, ainda não temos previsão de um mecanismo periódico de reajuste das bolsas. Sem esse mecanismo, ainda continuaremos sofrendo com a desvalorização dos próximos anos;

  • Não sabemos o que acontecerá com a quantidade de bolsas, que hoje não é suficiente para manter todos os programas de pós-graduação funcionando;

  • Mesmo que conquistemos um aumento substancial do investimento através das agências de fomento, a nossa capacidade efetiva de realizar as pesquisas continua sofrendo com a incerteza devido aos cortes orçamentários da própria UFRGS, que impedem o investimento na infraestrutura e na administração – por exemplo, considerando a recente suspensão de bolsas PRAE. É imperativo que nos organizemos em solidariedade com servidores e estudantes de graduação para denunciar a situação estrutural da Universidade e exigir maiores investimentos.


O cenário apresentado de incertezas em relação ao reajuste e da precarização da universidade pública afeta diretamente os pós-graduandos. Neste momento, precisamos ampliar a mobilização entre os estudantes e a denúncia para a sociedade em geral da situação material das Universidades e dos estudantes que trabalham nela, explicando a importância do investimento na educação pública. A organização e atuação dos alunos dentro da Universidade e no movimento estudantil brasileiro precisa ser concisa, eficaz e barulhenta. Como corpo discente, precisamos aprofundar o debate sobre as imprecisões que nos afligem, temos que defender as nossas pautas e reivindicações próprias, bem como avançar e pressionar as instituições para que sejamos ouvidos e respeitados.


Associação de Pós-Graduandos UFRGS


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